29.5.10

Cecília

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 E mais uma vez ela me olha rindo, zomba de mim, debocha, instiga, provoca com um sorriso malicioso e infernal, me desafia, uma vez, duas, diversas vezes, cada vez mais poderosa, me questiona: por que? Debocha: Você não é capaz de fazer isso, é muito novo para conseguir. Ela me deixa louco, povoa meus pensamentos, penetra em meus sonhos mais profundos e até nos pesadelos, escovo meus dentes e pronto: ela ri de mim no espelho, deitado olhando para o lustre do meu quarto ela aparece no reflexo das luzes, sempre me provocando e duvidando de mim. Menosprezando-me! E eu que cheguei tão longe, ela quer mais, muito mais quer se sentir poderosa, dona da situação, única e soberana.
 O que vai fazer com ela? E comigo? Por que não fez assim? Quem você pensa que é? Enche minha mente de perguntas, algumas sem respostas e outras com duas, três ou até quatro respostas, nesses casos o problema não é a falta de respostas e sim o excesso delas e isso parece, não, diverte mesmo, à linda mulher dos cabelos negros que fica ali, sentada bem em cima do meu monitor, me guiando com um ar de professora de primário, mexe com o cabelo, linda. E eu a criei, e agora tem vida própria, uma poderosa e sagaz vida própria.
 Por que? Isso é possível? E ele? E a marca? Vai fazer isso mesmo com ela, é tão boa. Você é tão desumano assim? Ou gosta só de chocar os outros? Acho que é pra chocar.... não! Eu já sei, faz isso para ficar mais fácil não é? Cuidado, tragédias dão pano para manga e não terminam, melhor, não encurtam histórias. Eu te superestimei, acha que isso é algo substancial? Não, não é! É pouco, quase nada, algum ínfimo, ridículo e medíocre. Pensou num final, agora, e vai dar voltas até chegar nele, se chegar, me diz: é capaz de chegar?
 Os dedos dançam nervosos no teclado, e ela em cima do monitor, mexendo nos cabelos, esperando e olhando para mim a cada vez que eu levanto a cabeça, termino a dança dos meus dedos e busco uma inspiração para ser menos repetitivo. E ela me olha, rindo diz que ela é muito para mim agora, um projeto muito grande, para mim, devia continuar com seus contos, rápidos e sem grande problemas. Ela diz. Escreveu páginas e páginas, me deu vida, forma, poder, inimigos, aliados, amores, problemas, me transformou em alguém quase humano, com certeza seria sua paciente, não é? Tenho certeza que sim. As palavras do ser humano feito de letras e bits consegui me perturbar, desisto de fazer meus dedos dançarem na máquina de escrever do futuro e volto para o passado: meu caderno de escrita.
 Sentei na mesa, peguei um lápis, uma borracha e recomeço a escrever em páginas antigas de idéias mortas antes mesmo de nascerem. O lápis mancha a folha do caderno com a minha escrita – canhota e tortuosa, que somente eu e poucas pessoas entendem – e ela ali sentada de cócoras, como um amigo baixinho meu, e cruza os braços tentando ler os hieróglifos que eu escrevo, se irrita por pouco conseguir ler, diz que eu faço de propósito e se irrita, manda eu voltar para o computador, se irrita mais ainda com a minha recusa veemente. Por que fica nesse caderno? Depois vai ser obrigado a passar isso para o seu computador mesmo, por que não escreve logo tudo lá? Poupa tempo e paciência, a sua e a minha. Uma nova recusa a irrita mais ainda e me ver fechar meu caderno e conseguir tira-la de minha mente por uns instantes a leva a loucura e finalmente percebe que o dono da situação sou eu, apesar de tudo eu ainda sou o criador e você a criatura, Cecília.


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